A amizade é uma das formas do amor

Carolline Mello

Há um tempo atrás, sonhei que estava sentada sozinha em uma mesa, o cenário era de montanha cercada por neve e lá eu estava com o meu cafezinho expresso sem açúcar. Sozinha. Sozinha e sem amigos. Era o que eu pensava. Era o que eu sentia.

E não se enganem, depois de uns longos e bons anos de análise, a gente aprende a valorizar os nossos sonhos. Não pela via determinista de que sonhar com X significa Y, mas acredito que aprendemos a ser mais curiosos com os elementos que vez ou outra aparecem nos nossos sonhos e que podem (ou não) dizer de nós.

Acordei angustiada, assim como aparentava estar no sonho. E como dizia um certo psicanalista francês bem astuto, a angústia é um afeto que nunca mente. Comecei a me interrogar sobre a junção do sozinha e sem amigos num mesmo sonho. Seria medo? Se sim, o que é que eu temia tanto? Depois dessas perguntas, a cena no sonho pareceu até auto-explicativa. Já fazia um tempo que, morando fora do país, estava sentindo falta dos amigos no Brasil. A distância é longa, o fuso horário não é o melhor companheiro e para além disso tem… a vida acontecendo. A minha, aqui e a deles, lá.

Mas… e se eles me esquecerem? E se nosso laço de anos deixar de existir? E se eles fizerem um grupo de WhatsApp no qual eu não estiver? (risos) Será que isso quer dizer alguma coisa? E se? E se? Bom…. Não que esses meus “e se” não pudessem se concretizar. Mas também fiquei pensando: o que faz um amigo ser amigo? Com quantas chamadas de vídeo se marca presença na vida de alguém? E como é essa coisa na vida adulta de fazer novos amigos? Como é que se aproxima das pessoas? E a intimidade, a confiança?

Evidentemente, tenho mais perguntas do que respostas até então. E o que parece é que essa coisa de fazer laço com o outro não é ciência exata mesmo não. Não dá pra quantificar o ser amigo. Sinto que a amizade é uma das formas do amor. Um laço que se faz de modo muito particular, é claro, mas é amor. E isso torna a coisa ainda mais difícil de explicar.

Seja para fazer amigos novos ou para manter os laços mais antigos, talvez o que a gente precise seja estar aberto. Querer ser amigo. Querer ter amigos. Deixar a porta aberta para que a gente possa ser cativado por esse outro que chega ou já está.

E cá entre nós, as coisas mudam, né? As pessoas também. Com isso, quero dizer que talvez mesmo esses amigos de muito tempo também sejam novos, a depender das transformações da vida.

Continuo com mais perguntas do que respostas. Entretanto, o que sinto é que seja para fazer novos amigos ou nos mantermos na vida de nossos velhos amigos, sem eles, a vida certamente não teria tanto gosto. Na condição de sermos sós, não precisar caminhar sozinhos é um respiro.

Termino esse texto no trem, enquanto coincidentemente (ou não) estou a caminho da casa de uma nova amiga. É, enquanto olho a paisagem através das janelas, reflito que mais importante do que o medo de não ter amigos, é valorizar os novos encontros, celebrá-los sem necessariamente precisar abrir mão dos anteriores.

Respiro aliviada. Ufa! Ainda bem que nem todos os sonhos se realizam… ainda bem.

Sobre nossa colunista:

Caroline Mello é psicóloga, admiradora da psicanálise e pesquisadora da violência doméstica e do campo das relações.

@entreoslacos